A entropia em Gonçalves

Eliakim Oliveira*

Há algo de aflitivo nas distâncias. O percurso de uma viagem pode ser sinuoso e repetitivo, trazendo à memória, de quando em quando, uma imagem como a do poema "VELOCIDADE", de Ronaldo Azeredo, em que a palavra só é vista ao correr dos olhos. Mas através das grandes distâncias sinto como se eu fosse um ácaro sobre o poema de Azeredo, percorrendo aquele monte de "vv" sem nunca saber que formam, muito acima de mim, uma única palavra. Que resta ao ácaro de rodovia? Percorrer tautologias: morros que são morros, placas que são placas, postos que são postos — tudo para ser de novo, adiante, o mesmo, e bisar-se depois, para que perguntemos, como sempre perguntamos:

— É mesmo esse o caminho?

Não adianta o olho clínico de um ácaro, pois não distingo morros, placas e postos. Na estrada, tal como o poema de Azeredo aos olhos do ácaro perdido, nada há que não seja aquilo que sempre foi — e aquilo que talvez, ao menos para as estreitas induções de um ácaro, continuará sendo sempre o mesmo: uma trilha de "vv" que não tem fim.

Mas Gonçalves confrontou a fraqueza de meus olhos. Não, não quero falar do esquivo sol de montanha, e de como também aflige — porque, apesar de não dar murros na porta, o calor discreto não deixa de ser, ao provinciano ácaro de São Paulo, um pouco violento. Não vá insistir, leitor, que escrevo, agora, quando o sol já retornou ao decote do horizonte — e não quero perder pedaços de lauda com o sol que já se pôs. Também não se empolgue, ó munícipe de Gonçalves, que não pretendo falar de você: de sua camisa de manga longa, do chapéu que o circunda, das marcas de sol e sorriso que o esperam. Por ora, que ando fresco, interessa-me falar do chão íngreme onde pisa. Você se lembra? Uma vespa brilhante que acumula a terra depurada à roda de uma porta, e que se assusta na presença de nossos pés a lhe invocarem o ir e vir, tão ágil, o entra e sai, intrépido. Que faz, ó vespa, com tanta pressa e por dentro — pausa dramática — de uma toca? Sufoca uma barata? Soterra uma aranha? Some com um corpo? Essa aparente inquietude é demais suspeita e mereceria, se eu tivesse tempo e não estivesse só de passagem, um interrogatório. Há sempre algo de criminoso na pressa de uma vespa, a contrastar com a postura aparentemente ética do formigão preto, sujeito que monta guarda, soldado que é, em frente de não sei quê muralha. Repare também no esterco de vaca sobre o pedrisco de estrada, a mofá-lo num conúbio que lembra aquele entre o tijolo e o cimento — sim, claro, eu lembro: mistura que há de ser usada na casa do besouro camicase, aquele que voa sem que lhe seja permitido voar, trôpego e claudicante, logo a meter a cabeça no vidro da janela, fazendo: crec! À frente — vê? —, a casa de cupim derrubada para ser, de novo, soerguida, prenunciando, finda a paciência dos operários, o movimento dos cupins sem terra:

— Não há saliva para tanta fundação! Vós sabeis o que é cuspir a partir do zero do chão?

Uma aranha marrom a camuflar-se sobre a folha seca, crendo, ingênua, antes que eu a cutuque, que não ousarei cutucá-la a fim de torná-la visível à miopia do amigo. Decepção:

— Estou morta — ela me diz: — e é nisso que quero que creias.

Até que eu fosse interrompido por uma reflexão inoportuna. O receio das distâncias, as tautologias de estrada, o olho em direção ao chão: tudo também remetia a minha fuga da desordem, que Bicelli lembrou também chamar-se entropia: eu — aflito com as distâncias e sofrendo com a entropia. Já foi visitado por ela? O pó que se acumula depois que tiro o pó, as folhas secas sobre o chão depois que retiro do chão as folhas secas. Também a sujeira do corpo, a acumular-se, depois que lavo a sujeira do corpo. O cabelo a despentear-se ao longo da madrugada, mesmo penteado pouco antes de dormir. Como sofro com a entropia e como a entropia contamina tudo o que ordeno: o limo a comer minha parede, o cupim a comer meus livros, a pulga a comer meu cão. Mas o leitor atento me interrompe:

— De onde veio isso, que não encontrei no fio de seu texto? Qual o ponto dessa causa? Veio do esquivo sol de montanha? Da toca daquela vespa? Do agora ressentido (não vai mesmo falar dele?) munícipe de Gonçalves?

Pois você me pegou, leitor. Tive, agora, que me pôr em questão (e como dói tornar-me uma questão para mim mesmo) a fim de compreender o salto que dei. Como me defender? Penso... É mais ou menos assim. Em Gonçalves, seja a circunferência iluminada pelo sol esquivo, seja o chão íngreme onde passeia a vespa assassina, isso tudo me impele a ignorar o pó pronto para se alastrar (assunto agora do munícipe), as folhas prontas para cair (assunto agora das encostas), o limo pronto para se propagar (assunto agora das rochas), as pulgas prontas para morder (assunto agora dos cães gonçalvenses).

Seria isso um consolo inteiro? O emplasto contra os males da entropia? Terceirizar, para o município de Gonçalves, os encargos de seus efeitos? O leitor, se inteligente como supus, não caiu nesse conto: ainda lembro, neste momento, que lá, de onde venho, o pó enche minhas prateleiras, as folhas cobrem minha calçada, o limo come minhas paredes, as pulgas comem meu cão. E eu — que faço? Aflijo-me, ainda, com a distância, e sofro, ainda, com a entropia, contra a qual — descubro — nada posso... Dane-se! Que vá para o diabo, dona entropia, que agora eu, ácaro de São Paulo, quero aprender a distinguir os morros de Gonçalves. Passar bem.

Gonçalves (MG), 2-10-2020

*Eliakim Oliveira é autor de Polióptico (São Paulo: Córrego, 2020)